Familia, meu maior presente

sábado, 5 de dezembro de 2009

A DOR E A DELICIA DO PASSAR DOS ANOS

Meu Deus do Céu ! Eu não tinha esse rosto que tenho hoje. Eunão tinha esses olhos ilhados por rugas, esse toldo depálpebras caídas e essa opacidade na pele.Eu não acordava assim, descabelada, amarfanhada, plissada ecom bafo de Tutancamon. Saía lépida da cama e corria para mearrumar, parecia um beija-flor. Hoje, me arrastopenosamente, tal qual um leão marinho. Não ficava horas comas marcas do travesseiro a tatuar minha carne, nem me doíamas juntas. Não precisava me alongar e nem pôr os óculos parame achar. Eu não tinha vista cansada! Isso é tãoemblemático... Queria meus olhos incansáveis de volta. Olhosvorazes, atentos, corajosos.Eu não tinha este rosto, nem esse corpo, nem esse espíritode porco que se apossou da minha alma intrépida,aventureira. Eu não tinha essas ausências, essesesquecimentos vexatórios e inclementes. Eu não esquecia onome das coisas, das pessoas, nem o que eu acabava de ler,nem as minhas duzentas senhas.Eu ria das piadas na hora e não lia revista velha como sefosse nova, nem via filme já visto como se fosse inédito. Eunão tinha agenda, nem fazia check up, eu não tinha insônia.Eu tinha hormônios! (E eles pareciam amazônicos,inesgotáveis.) Não fazia terapia, nem RPG, nem gastava umcentavo com cremes e tratamentos milagrosos. Eu não tinha tantas contas para pagar, nem tantos problemas,nem tantos pecados, nem tinha deixado de fazer tanta coisa.Não tinha joanetes, nem colesterol alto, nem bursite, nemsabia que pimentão fazia mal. Não tinha diploma, nemcertidões de estado civil, nem usava guarda-chuva. Não tinharenda para declarar.Fumava sem culpa, não rezava, tinha opinião sobre tudo, epor pura ignorância, me achava o máximo. Me lambuzava com avida, ria dos outros e tinha tempo para jogar conversa fora,dar carona. Eu não tinha medo de gente! Não era cínica, nemcética, nem antisséptica. Eu não tinha esse rosto, nem tanto dinheiro, nem tinha lidotantos livros, nem feito tantas viagens. Era inocente econfiante. Era arrogante e displicente. Era jovem: tinhamuitas certezas, muita pressa, muitas bandeiras. Forte evoraz, como um furacão. Ah! Eu não tinha esse rosto que tenho hoje mas ele nãopoderia ser outro. Não o imaginava mas o escolhi. Escolhicada ruga, cada sarda, cada cicatriz. Escolhi até aquelasbolsas sob os olhos e os vincos na testa. Foi sendo moldado,esculpido, tatuado e hoje ele revela minha história, ostraços da minha mãe, os traços das minhas filhas e das milmulheres que tenho sido. Estou confortável com ele. Ele é aminha cara! Maduro e apaziguado, como uma árvore.Hilda Lucas

Esta

Um comentário:

  1. Rosa, minha mãe em fevereiro fará 82 anos. Mas é uma jovem de 40 no máximo. Tem a suavidade da idade, mas continua com toda a expectativa de uma pessoa jovem. Ela não pensa em morrer, ela pensa em viver intensamente com uma certeza tão grande que as vezes acho que é até mais jovem que eu.
    Preciso aprender todos os dias com ela.
    "A juventude é a época de se estudar a sabedoria; a velhice é a época de a praticar". Jean Jacques Rousseau.
    Um beijo em seu coração minha jovem amiga.

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